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Num lampejo de sinceridade a Rede Globo anuncia a retomada do programa Profissão Repórter com a seguinte chamada: “O trabalho do repórter é contar histórias … os fatos tem várias versões”. A Globo diz o óbvio. O fato é a versão consensuada. O problema é que no geral os órgãos de imprensa nunca deixam isto claro, que cada reportagem é uma versão e que há tantas versões quanto os olhares dos veículos que as publicam.
Mais grave, os patrões da mídia não revelam os seus próprios interesses, os interesses das empresas de comunicação quando se reportam a cada acontecimento. Por exemplo, quais são os interesses das grandes redes de TV e dos grandes jornais e revistas semanais quando tratam da corrupção na Petrobrás? Seria tão somente denunciar e exigir a apuração dos mal-feitos na instituição? A atuação da grande mídia no caso não mira a privatização da estatal ou de amplos setores do Pré-Sal?
As escolhas políticas da grande imprensa sempre guardaram interesses econômicos da classe que detém a maior parcela da riqueza no país. Os proprietários das grandes empresas de comunicação estão entre as famílias mais ricas e poderosas. Sempre estiveram. Sempre tem interesses de classe a defender. As histórias que autorizam seus funcionários a contarem guardam seus próprios interesses.
O grave episódio do desabastecimento hídrico de São Paulo é bem emblemático do papel da grande imprensa na política nacional: tentar esconder ao máximo da população que os grandes culpados pela crise no abastecimento de água na unidade mais rica da federação são os governadores do PSDB. Há anos os órgãos técnicos e até a ONU alertavam os governadores de São Paulo para os riscos de desabastecimento de água. Mas isto nunca deu manchete.
Agora que o caldo entornou, o governador paulista faz cara de quem não tem nada com isto. A grande mídia, quando não consegue mais esconder o problema, tenta dividir a responsabilidade da crise hídrica com o governo federal, colando na mesma abordagem anunciados apagões e racionamento de energia.
Fato é que o governo federal, face aos riscos de escassez de água nos reservatórios que movem as turbinas para geração de energia, construiu usinas termelétricas e está construindo outras grandes usinas hidrelétricas, além da interligação dos vários sistemas de produção e transmissão de energia. A grande imprensa, entretanto, conta uma história igual para eventos diferentes. Nivela por baixo, sem diferenciar, quem teve e tem posturas diferentes quanto ao papel do Estado em áreas estratégicas.
Num país como o Brasil, onde a grande mídia é oligopolizada, economicamente concentrada nas mãos de poucas famílias, a produção do que vai ser noticiado sofre, frequentemente. a grave distorção do consenso editorial: os grandes canais, as grandes redes, em comum acordo com os jornalões e os semanários combinam a pauta única e uma única versão passa a ser insistentemente repisada, como se o fato “em si” fosse dado, objetivamente, sem contradições. Em vez de versões dos fatos o cidadão passa a ser receptor de uma única versão.
Com a oligopolização da notícia a grande imprensa faz coro com o projeto de país e vende a verdade que interessa a uma parte da sociedade, a mesma que detém o poder econômico no país. E a tarefa de contar esta história escondida fica para quem luta pela democratização da mídia e da comunicação.
Por Zizo Mamede