A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) decidiu restringir a recomendação da única vacina contra dengue disponível no país.
O produto, agora, não é mais indicado para as pessoas que nunca tiveram contato com esse vírus, conforme nota divulgada pelo órgão nesta quarta-feira (29).
Produzida pela Sanofi Pasteur, essa vacina foi a primeira aprovada no Brasil contra a doença. O Instituto Butantã, em São Paulo, também desenvolve uma, mas que ainda está fora do mercado.
Hoje, a vacina que passou a ter recomendação mais restrita está disponível nas clínicas particulares e é alvo de campanhas pelo governo do Paraná.
A medida ocorre após o laboratório fabricante ter apresentado à agência dados preliminares que apontam risco de que pessoas soronegativas para a dengue –ou seja, que nunca foram infectadas pelo vírus– desenvolvam formas mais graves da doença após picada do mosquito transmissor, o Aedes aegypti.
A previsão é de que a bula da vacina, conhecida como Dengvaxia, seja atualizada com essa recomendação até que a Anvisa reavalie os riscos e benefícios do produto.
O produto da Sanofi havia obtido aval da Anvisa em dezembro de 2015 para ser comercializado no mercado.
Atualmente, está disponível na rede privada, ao custo de até R$ 135 por dose.
O governo do Paraná também iniciou uma campanha em agosto do ano passado para distribuir a vacina na rede pública do Estado. Ao menos 300 mil pessoas foram vacinadas em 30 municípios.
Em nível nacional, no entanto, a vacina já era vista com ressalvas por técnicos do Ministério da Saúde, para quem a vacina tem baixa eficácia –cerca de 66%. A situação fez com que a discussão sobre sua inclusão no Programa Nacional de Imunizações fosse postergada.
Até então, a vacina era indicada para pessoas de 9 a 45 anos que moram em áreas endêmicas, independentemente ou não de já terem tido a doença. Agora, novos dados levaram a rever esse perfil.
Segundo Sanofi e Anvisa, os dados sobre aumento do risco foram obtidos após monitoramento das pessoas que receberam a vacina durante a fase de estudos clínicos, os quais avaliam a eficácia e segurança do produto.
Os resultados mostram que, cinco anos após terem recebido a 1ª dose, pessoas que nunca tinham tido o vírus da dengue antes tiveram aumento do risco de “exacerbação da doença, com aumento de casos de dengue severa e hospitalização”.
Em nota, a Anvisa informa que esse risco é superior ao de pessoas também soronegativas para a dengue que não receberam a vacina, “embora os dados ainda não sejam conclusivos”.
O risco, assim, seria de cinco casos de internação a cada mil pacientes que nunca tiveram dengue e vacinados contra a doença. Já os casos de dengue severa (também chamada de dengue com sinais de alarme, etapa anterior ao quadro grave) somariam dois a cada mil.
Na prática, segundo Isabella Ballalai, da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações), os dados mostram que a vacina atuaria como uma “primeira infecção”, que geralmente é mais leve.
Assim, caso o paciente seja infectado novamente pelo mosquito, há risco de aumentar a gravidade do quadro.
“Quando tem dengue pela primeira vez normalmente tem dengue menos grave. A segunda infecção é de maior risco. O que todo mundo questiona desde o começo e que foi levado em consideração é como essas pessoas vacinadas reagiriam”, diz.
Segundo a Anvisa, esse risco de ter sintomas mais graves –como sangramento das mucosas, manchas roxas na pele e queda de plaquetas –não haviam sido identificados nos estudos apresentados para o registro.
Para quem já teve a doença, dados mostram que a vacina é benéfica, diz Sheila Homsani, diretora-médica da Sanofi. Para ela, embora indique a necessidade de alterar a recomendação, o aumento do risco para pacientes soronegativos é baixo.
O infectologista e presidente da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses, Artur Timerman, contesta.
“O número de casos de dengue com sintomas de gravidade seria mais ou menos cerca de 0,5 por mil. Esses dados são quatro vezes maiores. Como falar que é pequeno?”
Ele lembra que a OMS (Organização Mundial de Saúde) já havia alertado sobre a necessidade de usar a vacina apenas em populações previamente expostas ao vírus.
“Temos falado que essa vacina tem que ser usada com toda a cautela desde que foi aprovada. Ela não tem comprovação para ser usada do jeito como foi usada no Paraná, por exemplo”, afirma.
AUSÊNCIA DE DADOS
O motivo dessa cautela, diz, é a ausência de dados sobre a prevalência de dengue no Brasil. Hoje, há apenas estimativas, que apontam que cerca de 80% da população teria tido contato com o vírus.
Para ele, o ideal é que sejam recomendados exames prévios à vacinação para verificar se a pessoa já foi infectada pelo vírus da dengue.
Medida semelhante é recomendada por Ballalai, para quem os médicos e clínicas privadas redobrar os cuidados antes da vacinação.
Para ela, a decisão de alterar a recomendação sobre a vacina representa um “sinal de alerta”, mas não há motivo para pânico.
“Os dados mostram risco aumentado, mas não uma certeza ou motivo para chamar essas pessoas de volta”, afirma. “Do ponto de vista individual, é uma vacina segura para quem é soropositivo [para dengue]”, diz, referindo-se aos dados que apontam eficácia de até 82% entre esse público –já nos que nunca tiveram dengue, a eficácia é de 52%.
Doenças transmitidas pelo Aedes aegypti
OUTRO LADO
Responsável pela vacina da dengue disponível no mercado, a Sanofi Pasteur afirma que mantém monitoramento de pessoas vacinadas durante a pesquisa clínica e que alertou a Anvisa e demais agências reguladoras sobre os novos dados encontrados e a necessidade de alterar a recomendação. Um comunicado também deve ser enviado à clínicas de vacinação.
Segundo a diretora médica da empresa, Sheila Homsani, dados apresentados na época do pedido do registro não apontavam aumento de risco de complicações a quem não teve dengue.
Testes desenvolvidos pelo laboratório, no entanto, verificaram aumento do risco.
“Ao longo do tempo percebemos que eles [pacientes que nunca tiveram dengue] começaram a não responder tão bem quanto os positivos, e observamos um pequeno aumento, de 0,5%, de hospitalizações”, explica. Todos os casos foram da chamada “dengue com sinais de alarme”, etapa anterior à dengue grave. Não houve mortes.
A diretora ressalta que os resultados não demonstraram alteração na eficácia do produto para pessoas que já tinham contato com o vírus, às quais a vacina permanece indicada em 19 países.
“O Brasil é um dos países mais endêmicos do mundo. Para esses países, a vacina tem um potencial alto de reduzir os casos de dengue”, afirma, citando os dados que apontam eficácia de 82% entre esse público.
Para ela, o ideal é que os interessados em receber a vacina busquem apoio médico. Segundo Homsani, os dados indicam uma advertência, mas não contraindicação. “A vacina comprovou a segurança ao longo desses anos e ela não causa a doença. O que causa é o mosquito. Não esperamos que tenha qualquer problema maior por isso.”
“Queremos que as pessoas olhem se já tiveram dengue ou não e conversem com o médico. Para esse indivíduo, não vale a pena tomar vacina se não estiver numa área endêmica e não fizer um teste antes”, diz.
Em nota, o governo do Paraná afirma que monitora as pessoas vacinadas na campanha contra a dengue e que não houve registro de reação adversa grave à vacina.
Diz ainda que a decisão de adotar a vacina no Estado “foi baseada em dados epidemiológicos consistentes, que direcionou a oferta da campanha somente aos 30 municípios endêmicos e epidêmicos”, os quais concentraram 80% dos casos de dengue do Estado ou enfrentaram epidemias consecutivas nos últimos anos. “Não há motivo para mudança da estratégia adotada no Paraná quanto à oferta da vacina”, finaliza.