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A padroeira da comunidade católica, num bairro fundado por famílias descendentes de africanos, é Nossa Senhora Aparecida, a mesmíssima que a padroeira do Brasil. Essa história vem dos anos de 1980, quando sopravam os ventos renovadores da chamada Teologia da Libertação e fermentavam as comunidades eclesiais de base, as CEBs. Mas, aquela história de padroeira “negra” não era uma escolha tranquila.
“Mãe do céu morena” era o hino mais entoado nos momentos mais fortes da liturgia comunitária e certa vez alguém perguntou se “a Senhora Aparecida era, afinal de contas, negra ou morena?” – A resposta mais repetida foi que “ela era daquela cor porque sua imagem foi encontrada por pescadores na lama de um rio”.
Quem compôs “Mãe do céu morena” foi o famoso Pe. Zezinho. Fato é que grande número de pessoas pardas ou negras se identificam como sendo morenas e, em termos de cor da pele, cada um é aquilo que diz ser. No caso, Aparecida não se pronunciou, foi proclamada.
Naquela comunidade católica da “mãe do céu morena” havia uma mulher negra, descendente dos primeiros habitantes do bairro, batizada com o nome de Maria das Neves, Nevinha, como era carinhosamente conhecida. Nevinha revelou que não se sentia à vontade, “não gostava” quando a celebração da Palavra focava na questão do racismo. Certa vez Nevinha, sem delongas, reclamou do desconforto diretamente ao próprio padre da paróquia.
O racismo em números – O Mapa da Violência no Brasil (SIM/SVS/MS) do ano de 2012 revelou que dos 30 mil jovens assassinados naquele ano, 77% (setenta e sete por cento) eram negros com idade de até 29 anos. A série histórica mais recente indica que enquanto o número de homicídios de pessoas “brancas” está diminuindo, ao mesmo tempo está aumentando entre as pessoas negras.
A Radis/Fundação Oswaldo Cruz (nº 124, jan. 2013) informa que em se tratando de consultas pré-natal, 54,5% das mães negras passaram por sete ou mais consultas, enquanto que 75,7% das mães brancas fizeram o mesmo. O mesmo informe publica outro contraste: No período entre 1982 e 2004 a redução da taxa de mortalidade de filhos de mães brancas foi de 30 por cada mil nascidos vivos para 14 por mil, enquanto em relação às mães negras, no mesmo período, a taxa de mortalidade diminuiu de 53 por mil nascidos vivos, para 30 por mil.
Na revista Direitos Humanos (nº 04, dez. 2009) citando textos publicados pela Fundação Carlos Chagas em 1986 e pela UNESCO em 2002, está grafado que “no ensino fundamental e na pré-escola estudos têm demonstrado a diferença de tratamento dado aos alunos por parte de um expressivo contingente de professores, em detrimento de crianças negras. Essas são menos estimuladas, menos acarinhadas, mais reprimidas, tudo isso em função de sua cor.”
Racismo sem racistas – Para além das construções e desconstruções que associaram e ou recusaram a relação entre cor e raça, o fato é que o Brasil é um país racista. E o que há de mais perverso é que o racismo à brasileira está naturalizado e emudecido na perversa naturalização das desigualdades. Pior, há certa unanimidade acerca da existência do racismo na sociedade brasileira, mas ninguém assume que é racista.
E você?! A propósito, você que ler este texto neste momento, faça a sua autoanálise: Você é racista?
ZIZO MAMEDE