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A exclamação acima foi a reação de eleitores de Dilma Rousseff ao slogan mais agressivo e mais repleto de ódio da última campanha eleitoral, “Fora Dilma! E leve o PT junto!” O ódio contra o PT criou outras pérolas cristalizadas ao longo dos últimos anos, a exemplo de “ptralhas”, uma associação entre o PT e os Irmão Metralhas, a famosa quadrilha dos desenhos da Walter Disney.
Afinal, a campanha eleitoral mais acirrada, mais sofrida, mais sangrada da história do PT legou a mais emocionante vitória do partido e das esquerdas democráticas do país. Foi também a mais longa das campanhas eleitorais, que começou nas jornadas de junho de 2013, quando a população nas ruas do Brasil ou pelas vias das redes sociais explodiu num misto de reivindicações e revolta contra a política e as insuficiências das políticas públicas.
Para o PT e para Dilma Rousseff, a campanha de 2014 começou em junho 2013 porque àquela altura das manifestações a velha mídia conseguiu jogar no colo da presidenta da República a responsabilidade por todos os problemas do país. É verdade que Dilma foi a única liderança política que ouviu, dialogou e ofereceu respostas concretas as vozes das ruas. Mas a atitude de Dilma Rousseff foi insuficiente.
O estrago já estava feito, em grande parte por culpa do próprio governo e do Partido dos Trabalhadores. Do governo, porque se afastou dos diálogos com os movimentos sociais e atores políticos ao tomar decisões e implementar políticas públicas. Do PT porque institucionalizou-se sobremaneira e ainda contraiu práticas políticas que condenava.
As tentativas do neoudenismo, no poder judiciário e na mídia, de criminalizar todo o PT como uma quadrilha não teriam ido adiante se, na lógica de que fins justificam meios, alguns quadros partidários não tivessem adotado mecanismos de financiamento de campanha comuns em outras agremiações. As grandes conquistas que os governos de Lula e Dilma proporcionaram ao povo brasileiro não justificam esta situação.
Em suma, Dilma ficou. E que lições podemos tirar da mais dura de todas as vitórias do PT?
1. Que a reeleição de Dilma tem repercussão mundial. A derrota de Dilma seria a derrota de um modelo econômico que vai na contramão da ortodoxia liberal: Com Dilma, o Brasil enfrenta a crise econômica com políticas anticíclicas, de inspiração keynesiana. Com uma vitória de Aécio, prevaleceria a receita monentarista de arrocho fiscal, muito mais juros, desemprego e arrocho salarial para combater a crise econômica e a inflação, ou seja, a paz do cemitério.
2. Que a onda conservadora chegou ao Brasil e não é uma marolinha qualquer. A virulência, o preconceito e o machismo deram as caras. A política reacionária perdeu o pudor e tem muitos votos e representantes no Brasil. Pior, não aceitando a derrota nas urnas, vai às ruas pedir o retorno dos militares ao poder através de um “golpe institucional”.
3. Que o engajamento do Psol e de figuras da nova esquerda, das esquerdas tradicionais e da alegre juventude no segundo turno, ao lado de Dilma e de Lula, fez a diferença no segundo turno. O que se viu de gente de vermelho e de todas as cores, de militantes de inúmeros movimentos não corporativistas, de estudantes e professores, de figuras ilustres do meio artístico e intelectual tomando as ruas na hora decisiva da campanha, não se via há muito tempo.
4. Que na eleição o eleitorado brasileiro se dividiu sim, quase ao meio e que isto seria normal em quaisquer outros países e no Brasil só significa problemas se ganhar corpo e perdurar o rancor com que o PSDB, a velha mídia e seus aliados insistem em levar adiante para além das eleições.
5. Que a velha mídia tem sim muita força política, que sabe trabalhar a cultura do moralismo e do autoritarismo, que tem lado e toma partido contra as forças progressistas que comandam a política no Brasil nos últimos 12 anos. O “manchetômetro” revela estatisticamente que a grande mídia jogou o tempo todo contra o governo e o PT.
6. Que a reforma política é um imperativo para democratizar a democracia brasileira, mas que não basta, que é urgente fazer a regulação econômica para superar a oligopolização dos meios de comunicação de massa. Dilma só não foi derrotada porque a militância da esquerda tinha nas redes sociais o grande mecanismo para enfrentar os golpes da grande imprensa.
7. Que há, aqui e alhures, uma oposição histórica e firme contra qualquer projeto de desenvolvimento econômico que implique em inclusão social e distribuição de renda. A oposição ao desenvolvimentismo no Brasil vem desde a era Vargas e mostrou os dentes e as garras a Juscelino, a Jango e a Lula, como faz contra Dilma Rousseff.
8. Que os governos petistas e o próprio partido foram omissos e descuidados na construção de uma narrativa que desse conta dos grandes avanços que o Brasil alcançou na última década. Que a ascensão econômica e social das pessoas, por si só não constrói uma nova consciência e que as pessoas, quando passam a viver melhor tornam-se mais exigentes e a querer muito mais, notadamente melhores serviços públicos.
9. Que para o PT e para o governo reeleito continua válida aquela lição dos anos de 1980: “para transformar o Brasil, é preciso combinar ação institucional, mobilização social e revolução cultural”. Que ao PT cabe retomar a capacidade de fazer política cotidianamente, que o partido não pode se confundir com o governo.
10. Que o PT seja refundado, o que significa ser democratizado internamente, que enfrente sem meios termos as acusações de corrupção que caem sobre parte de seus quadros. Que o PT dispute os rumos políticos do próximo governo Dilma Rousseff, para que efetivamente o Brasil entre em um novo ciclo de desenvolvimento, mais humano, mais democrático e mais progressista.
Por Zizo Mamede