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“Eu estou morando nesta UTI há 5 meses. O Natal da família está sendo aqui”. Esta frase, que resume o drama da dona de casa Liliane Cristina de Lima Batista, que acompanha a filha de 1 ano e 2 meses, internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital de Trauma de Campina Grande, distante 74,5 km de sua cidade de origem, Santa Cecília, Agreste, reflete uma dura realidade da Paraíba: a falta de leitos de UTI.
A maioria deles se concentra nas cinco grandes cidades (João Pessoa, Campina Grande, Patos, Cajazeiras e Santa Rita) e a população dos pequenos municípios tem que percorrer grandes distâncias para conseguir uma vaga, em muitos casos, quando já é tarde demais.
Segundo dados do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES), 218 municípios paraibanos não possuem hospitais com Unidades de Terapia Intensiva. São 490 leitos de UTI credenciados ao Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado, 36 a mais do que a meta estabelecida pelo Ministério da Saúde, de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde (SES).
Entretanto, a concentração das unidades em apenas cinco cidades dificulta o acesso da população e gera superlotação e formação de filas de espera por uma vaga para tratamento de terapia intensiva.
Conforme o diretor de regulação do Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba (CRM-PB), Eurípedes Mendonça, a norma do MS não é seguida totalmente. “A norma do MS preconiza que cada hospital que tiver 100 leitos tem que ter pelo menos uma UTI funcionando com 6% do total de leitos.
Entretanto, vários hospitais de grande porte na Paraíba não seguem esta determinação, como a maternidade Elpídio de Almeida, o Isea de Campina Grande que não tem UTI materna, mesmo atendendo casos de alto risco e sendo de grande porte.
O Regional de Patos, que tem aproximadamente 160 leitos, teria que ter no mínimo 12 leitos, mas só possui seis”, exemplificou.
Ele lembra que como a maior parte dos leitos está localizada nas maiores cidades paraibanas, muita gente percorre quilômetros em busca de vagas na UTI. “A luta é muito dura.
Muitas vezes quando um familiar consegue a internação daquele paciente crítico na unidade, já é tarde demais. Ou seja, além de todo o desgaste durante a busca por tratamento, há a dor de perder um ente querido”, desabafa.
Liliane é exemplo desta luta, ainda com muita esperança de vitória. Ela conta que pela distância, o marido só visita a filha internada uma vez por semana. “A cada três semanas ele passa um final de semana aqui. Como trabalha, não tem como estar aqui todos os dias. A luta foi e ainda é difícil. Primeiro tentei um hospital em Queimadas, mas como o caso necessitava de UTI, fui encaminhada para Clipsi aqui em Campina, mas em seguida formos encaminhados para o Trauma, onde o tratamento é referência. Hoje ela está aqui, está sofrendo, mas eu tenho muita fé que logo ela vai pra casa”, desabafa.
O diretor de regulação do CRM também denuncia o fechamento de alguns hospitais que possuíam UTI. “O Hospital Santa Paula em João Pessoa, privado, tinha três UTIs para adulto, duas pediátricas e uma neonatal. Perdemos pelo menos seis leitos de UTI, com o fechamento do O Hospital Infantil de Santa Rita, e no lugar será feito um shopping. A população cresce e novos leitos deveriam ser implantados, mas muitos estão sendo fechados”, enfatizou.
Para o corregedor do CRM-PB, médico João Alberto Morais Pessoa, aqueles municípios que não possuem leitos de UTI mal conseguem manter as unidade de saúde que possuem.
“Por este motivo, não existe possibilidade de avaliar quais cidades se encontram em situação pior no que concerne à terapia intensiva ou outros aspectos fundamentais, pois esses municípios utilizam-se de ambulâncias, na sua grande maioria, improvisadas, em estado caótico, sem acompanhamento médico para realizar remoções para municípios maiores, expondo os pacientes aos mais variados riscos”, reforça.
DESCENTRALIZAÇÃO É ALTERNATIVA
Para o diretor do Hospital de Trauma de Campina Grande, médico Geraldo Medeiros, a descentralização das UTIs seria uma boa solução para a superlotação. “A descentralização seria o ideal, só que esta questão não é tão simples. Há falta de especialistas. Aqui no Trauma por exemplo, nós temos cinco pediatras para atuar durante os sete dias da semana, quando o ideal seriam pelo menos 14, porque temos que considerar as férias, as doenças que os profissionais podem ter”, diz.
O corregedor do CRM-PB, João Alberto Morais, completa: “Essa situação é extremamente desgastante sob o ponto de vista psíquico e físico. Sob o ponto de vista psíquico porque os médicos trabalham com pacientes no limiar da vida e da morte, bem como comprometimentos de cunho familiar; e sob o ponto de vista físico, em face do excesso de plantões e os poucos momentos de descanso”, salienta.
Ele relata a experiência do Hospital Napoleão Laureano, em João Pessoa, onde chefia o setor de terapia intensiva. “Durante o período da manhã, possuímos três médicos atuando, o primeiro é o coordenador, o segundo é o diarista, que realiza o acompanhamento das prescrições diárias e o terceiro é o plantonista. Durante a tarde existe um médico que dá sequência à terapêutica instituída pela manhã, atende as emergências dos pacientes internados e recebe os pacientes que porventura forem admitidos no horário da tarde. Essa mesma condição ocorre com o plantonista da noite”, diz.
O médico Geraldo Medeiros reforça que falta qualificação. “Existem poucas residências médicas especialistas em UTI, isso é carência no país inteiro, não só de intensivistas, mas de médicos de várias áreas”, afirma. O Hospital de Trauma referencia 203 municípios e possui 50 leitos de UTI, sendo 40 para adultos e 10 pediátricas. Segundo o diretor, 60% dos pacientes internados nas UTIs vêm de outros municípios.
SAÚDE GARANTE AMPLIAÇÃO DOS ATENDIMENTOS
Segundo informações da Gerência Executiva de Regulação e Avaliação da Assistência do Estado (Gerav), os leitos de UTI na Paraíba estão acima do recomendado pela Portaria Ministerial 1.101/02, que estabelece os parâmetros de cobertura assistencial no âmbito do SUS, e determina 454 leitos de UTI no Estado. “Mesmo assim a Secretaria de Estado da Saúde fez abertura de licitação para a ampliação de mais 69 leitos, dentre estes 24 de UTI e 9 de UCI Neonatal”, informou Eby Yê Mârã Maia, gerente operacional de Controle e Avaliação em Saúde do Estado.
Segundo ela, a maior concentração de problemas está no Sertão. “Lá não temos profissionais qualificados para habilitar um leito de UTI. Precisamos de médicos de especialidades complexas e até mesmo enfermeiras com especialização em UTI”, completou.
com JP (Fernanda Moura)